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PAISAGEM

Dora Shellard Correa  - UEL

​Publicado em 16/01/2023


 

Paisagem é um termo renascentista, tanto nas línguas latinas quanto em inglês e holandês e outros idiomas. Deriva de país que é um vocábulo bem mais antigo. As duas palavras pays-paysage, pais-paisaje, paese-paesaggiono, país-paisagem se articulam pelo som e pelo significado (ROGER, 2000). A transformação no sentido e uso delas, foi nos levando a esquecer ou até estranhar esse dado etimológico.

País e paisagem são vocábulos que se transfiguraram no século XIX. A mudança no seu conteúdo é simultânea e inerente às transformações intelectuais e políticas da Europa ocidental que já vinham ocorrendo desde o último quarto do século XVIII (BRONOWSKI, MAZLISCH, 1988; THOMAS, 1988). Observando o uso desses dois vocábulos nos auxiliará a nos aproximarmos mais do que era especialmente a América Portuguesa no século XVIII.

Raymond Williams em Palavras-chave afirma que os termos não são estanques, se transformam com o tempo, metamorfoseando seu conteúdo. Ele nos lembra que as palavras não devem ser isoladas uma vez que seus significados dependem de seus contextos reais. Afirma que: “É importante ter em conta que tem palavras que têm significados fundamentais em outras línguas ou “sofreram um desenvolvimento complicado e interativo em uma série de línguas importantes” (p. 35), sendo pertinente que se contraste divergências de significados. Lembra que as palavras não devem ser isoladas uma vez que seus significados dependem de seus contextos reais.

Essas considerações são fundamentais quando estudamos o vocábulo paisagem no século XVIII. Isso porque Paisagem é uma palavra muito utilizada e consumida popularmente na atualidade e no século XX não só no Brasil, mas com um conteúdo diverso daquele observado no século XVIII, XVII ou XVI. O uso, ou melhor, o desuso dela, como veremos, no século XVIII na América Portuguesa, quando já constava em dicionários portugueses, revela a transformação no seu conteúdo que se processou ao longo do século XIX em diferentes línguas. De arte metamorfoseou-se em natureza, de representação transfigurou-se no representado.

A palavra Paisagem, passou a ser mais conhecida na Europa Ocidental a partir do século XVI em razão da circulação de pinturas flamengas que divulgavam esse gênero de pintura, que tinha como tema central a representação artística de uma terra, de uma região (Laneyrie-Dagen, 2006; GOMBRIch, 2015). A ideia de sublime interferia na composição da obra distanciando-a de uma imitação vulgar da natureza. Nasceu como uma arte e não existia além desta. Como bem escreveu Anne Cauquelin (2007), a paisagem foi inventada pela arte e esta nos instruiu a ver a natureza.

Mas o termo já pode ser encontrado no início do século XV, na Itália renascentista, na forma paesaggio, paegio, denotando determinados painéis. Embora em outras localidades, como na Antuérpia, já se produzissem imagens representando a natureza, não havia uma palavra singular específica designando essas obras (GOMBRIch, 1990).

Anne Cauquellin (2007) afirma que foi importante, para o surgimento desse gênero de pintura, o desenvolvimento da perspectiva. Esta altera a dimensão real dos objetos em função da distância do observador, criando a ilusão de realidade. Aliado a esse acontecimento, a introdução da perspectiva, vai florescendo um mercado de artes, dando autonomia aos artistas em relação aos mecenas (WILLIAMS, 2000; THOMAS, 1988; GOMBRICH,1990).

A partir do século XVI, esse tipo de arte cresce concomitantemente à produção de outros gêneros singulares de pintura como natureza-morta, imagens da vida cotidiana, retrato, alegorias e cenas religiosas e históricas (Laneyrie-Dagen, 2006; gombrich, 2015). O predomínio de uma ou outra especialização variava em termos regionais na Europa, sendo explicado particularmente pela influência religiosa. Nos países católicos, de domínio da contrarreforma, preponderavam as pinturas religiosas e históricas e, naqueles sob influência da reforma protestante, onde os temas religiosos eram desautorizados, houve o desenvolvimento das paisagens, naturezas-mortas, retrato, pintura de costumes.

Por um lado, boa parte das pinturas religiosas e históricas, consideradas as mais relevantes até a entrada do XVIII, tinham como cenário de fundo representações da natureza. Essas cenas eram apresentadas em perspectiva e buscavam imitar a realidade como as pinturas de paisagem. Mas o tema central, aquele que deveria sensibilizar o observador, tirava a atenção dessa imagem coadjuvante. As pinturas de paisagem, por sua vez, em geral, tinham personagens humanos, mas eram figuras imersas, quase encobertas pelas formas da natureza. Até o século XVIII, especialmente nos países latinos, houve críticas à produção de paisagens puras, desérticas, sem humanos (ANDREWS, 1999; gombrich, 1990).

Ligado a paesaggio na Itália, teremos paysage na França, paisaje na Espanha e paisagem em Portugal com o mesmo significado. Um dos primeiros registros localizados da palavra portuguesa data do século XVI, remetendo à pintura. Um termo: “desde logo, da ordem representacional, cultural e não da ordem natural” (CASTRO, 2006, p. 15)

No século XIX, paisagem mudou de significado e foi esvaziada de cultura. De representação artística, transfigurou-se numa materialidade, de cultura, transformou-se em natureza. Nesse transcurso foi relevante a proposição de Alexander von Humboldt, de operá-la como conceito um científico universal (COSGROVE, 2004; OLWIG, 1996; HOLZER, 1999; CASTRO, 2006; VITTE, 2008).

Denis Cosgrove e Olwig desenvolvem interessantes análises sobre a origem e transfiguração desse vocábulo na Inglaterra. Esses estudos nos alertam sobre a pertinência de se buscar estudar o conceito de paisagem no tempo e no espaço político e social. A palavra em inglês, landscape, segundo eles, deriva do alemão, landschaft, este um vocábulo medieval. Referia-se especificamente a áreas com uma certa autonomia comunitária e à margem das zonas mais ricas. Contudo, o significado da palavra landscape, no século XVI, ligou-se ao do termo em holandês, landschap, que aludia a um tipo de obra artística. Sustentam os dois geógrafos que esse processo, a transfiguração no sentido da palavra, de espaço com uma organização sociopolítica singular em representação artística, ligou-se a alterações da relação da sociedade com a terra e com o território e da concepção de Estado ao longo dos séculos XVII ao XIX. Em suma, a transformação tem que ser encarada dentro do avanço da concepção da terra como um bem privado e equivalente a mercadoria e da formação dos Estados nacionais (Cosgrove, 1998 e 2004; Olwen, 1996).

Na entrada do termo paisagem, da Encyclopedie redigida por Louis Chevalier de Jaucourt (v.12, 1765), a palavra é definida como um tipo de pintura. Jaucourt esclarece que existem dois estilos de paisagens: o heroico e o pastoral ou rural. Enquanto o primeiro é uma representação com elementos notáveis da natureza e humanos ornados pelo artista, como vistas privilegiadas e casas de campo majestosas, o segundo caracteriza-se por imagens mais verdadeiras dos campos de camponeses e de suas moradias, sem dissimulações e artifícios de embelezamento característicos da arte. Ele considerava paisagem um dos “temas mais ricos, agradáveis ​​e frutíferos da pintura” - paysage est dans la peinture un sujet des plus riches, des plus agréables & des plus féconds - (v.12, p. 212, 1765). Mas criticava aqueles que representavam lugares desérticos sem figuras humanas. Reiterava que eram justamente as ações desses personagens que sensibilizavam e tocavam aqueles que observavam a obra de arte.

Claude Henri Watelet em seu verbete “gênero”, produzido para a Encyclopedie escreve que pinturas de animais, frutas, flores e paisagens são nomeadas pinturas de gênero: “O idílio semelhante à paisagem é um gênero que se relaciona com aquele de que acabamos de falar (o Poussin). Um artista representa uma paisagem encantadora, vemos ali um túmulo; perto deste monumento um jovem e uma jovem pararam de ler a inscrição que se lhes apresenta, & esta inscrição”. Claude Henri Watelet está se referindo às obras do pintor Nicolas Poussin (1594-1665). No final do artigo ele coloca: “Acrescento apenas que os gêneros da pintura foram divididos e podem ser subdivididos ad infinitum: a paisagem produziu pintores de fábricas, de arquitetura, de animais, do mar” (v. 7, p. 598, 1757).

Em 1708, o pintor francês Roger Piles (1635-1709) publicou o livro “Curso de Pintura por Princípios” (Cours de peinture par principes avec un balance de peintres) onde fez observações sobre pintura de paisagem e onde orientou os artistas sobre como realizá-la. Afirmava que se deveria idealizar seu quadro de paisagem como se fosse a própria natureza e ressaltava a importância da perspectiva para tornar a obra mais próxima do real e continuava: “Dentre as coisas que dão alma à paisagem, cinco são essenciais: as figuras, os animais, a água, as árvores agitadas pelo vento e a leveza do pincel. Poderíamos acrescentar os vapores, quando o pintor tem a oportunidade de colocá-los em cena (...) Vi várias paisagens de Bourdon nas quais, por empregar em toda parte o mesmo estilo de textura, ele comprometeu muito de sua beleza, ainda que, por outro lado, a visão desses lugares e das águas seja um prazer. Deixo ao pintor engenhoso o cuidado de corrigir e, como se diz, de compensar a cor ingrata do inverno e da primavera através de figuras, de águas e de edifícios, pois, no que se refere aos temas de verão e de outono, eles são suscetíveis de grande diversidade (...) Entre as coisas que costumamos pintar com frequência, é muito oportuno misturar algumas executadas observando-se o natural; isso induz o espectador a acreditar que também o resto foi realizado dessa forma” (Laneyrie-Dagen, 2006, p. 62 e 63).

Jean-Baptiste Du Bos (1670-1742), diplomata e filósofo, em As Reflexões, publicado em 1712, discorreu sobre a imitação, um dos princípios da pintura de paisagem: “Admiramos o pincel que soube tão bem imitar a natureza. Examinamos como o artesão fez para enganar nossos olhos a ponto de fazê-los tomarem camadas de cores numa superfície por frutas verdadeiras. Um pintor pode, pois, passar por grande artesão, na qualidade de desenhista elegante ou de colorista rival da natureza” (Laneyrie-Dagen, 2006, p. 71).

Um dos primeiros portugueses a empregar o termo paisagem foi o humanista e pintor Francisco de Holanda (1517-1585), na obra Da pintura antiga, publicada em 1548 (VASCONCELOS, 1896). Na passagem em que comentava sobre as pinturas que os holandeses chamavam de paisagens, escreveu Holanda: “Pintam em Frandes propriamente pera enganar a vista exterior, ou cousas que vos alegrem ou de que não possaes dizer mal, assi como santos e profetas. O seu pintar é trapos, maçonerias, verduras de campos, sombras d’arvores, e rios e pontes, a que chamam paisageos, e muitas feguras para ca e muitas, para acola; e tudo isto, inda que pareça bem a alguns olhos, na verdade é feito sem razão nem arte, sem symetria, nem proporção, sem advertência d’escolher nem despejo, e finalmente sem nenhuma sustância nem nervo; e, contudo, noutra parte se pinta pior que 20 em Frandes. Nem digo tanto mal da framenga pintura porque seja toda má, mas porque quer fazer tanta cousa bem (cada uma das quaes só bastava por mui grande) que não faz nenhum bem” (apud VASCONCELOS, 1899, p. 11). Gombrich, reproduz parte dessa passagem, reforçando a sua afirmação de que, no início do Renascimento, havia preconceitos contra a pintura flamenga na Europa latina e que paisagem era considerado um dos temas menores da pintura (1990, p. 151). Entretanto, essa situação começa a mudar ao longo do século XVIII, quando as pinturas sacra e histórica deixam de ser consideradas superiores a todos os demais gêneros (Laneyrie-Dagen, 2006; gombrich, 2015). Apesar disso ainda no início do século XIX encontramos artistas portugueses como José da Cunha Taborda ( 1766-1836) que considerava a pintura de paisagem um gênero inferior: “Não he meu intento falar das Festas Hollandezas, das Bambochatas Flamengas, nem dos desengraçados Retratistas de paizes, de flores, e de fructos; embora sejam estas lisonjeiras producções d’Arte a delicia dos opulentos Senhores do Norte” (TABORDA, 1815, p.1).

Em 1720, era publicado o verbete no dicionário do Pe. Rafael Bluteau, informando que paisagem se referia à “formosa vista da que representam os painéis de boas paisagens” (1720, p. 187). Painel, cabe esclarecer, constituía-se de pintura a óleo ou têmpera sobre diferentes materiais (p. 186). Em versão reformada e acrescida da obra de Bluteau, publicada em 1789, Antonio de Moraes Silva confirmava que o termo era do campo da pintura, uma “vista, ou representação de terras, campos” (p.147) e acrescenta que, já no século XVI, o humanista e historiador Damião Gois (1502-1574) o havia utilizado numa de suas crônicas. No início do século XIX o artista José da Cunha Taborda definiu paisagem ou melhor, paizagem como: “vista, ou representação de paiz, como terras, campos etc” (TABORDA, 1815, p. 268).

Cabe ressaltar que vista não é definida como paisagem, uma vez que envolve a percepção objetiva da natureza que está à frente. Em Moraes Silva (1789) e em Bluteau (1721) ela é definida como o ato de ver, é a percepção visual de um objeto. Conforme o padre é o “aspecto que se descobre de terras, campos ou de outros objetos” (1721, p. 531). Ou seja, a vista era a apreensão da realidade pelos sentidos, a paisagem era a sua ilustração.

A paisagem, entendida como uma representação pintada das vistas, também aparece no verbete Paizes de Bluteau. Segundo ele, esse era um termo de pintor e explica que são “painéis, em que estão representados arvoredos, prados, fontes, casas de prazer & outros aprazíveis objetos do campo” (1720, p.187).

Portanto, paisagem, paisagista eram termos relativos à arte, à pintura. Uma representação artística da natureza, que englobava também humanos e cultura. Não se confundia com vista pois além de elementos visuais continha elementos conceituais. Deveria ser buscada uma imitação da natureza, porém enganando os olhos, explorando as cores e as formas, produzindo sensações e utilizando a perspectiva para iludir. Em razão de paisagem ser uma palavra coloquial na atualidade, o seu significado corriqueiro contemporâneo que a vincula a uma concretude visualizada, é muito forte (SANDEVILLE JR, 2005). Nesse sentido, há de se tomar muito cuidado com as traduções de textos anteriores ao século XIX dado a transformação no significado do termo. Vista e prospecto não se confundiam com paisagem.

Analisamos o livro de um historiador setecentista, Sebastião da Rocha Pita (1976); o conjunto de documentos organizados por Afonso Botelho de San Paio e Sousa, comandante das onze expedições que entraram entre 1768 e 1773 nos sertões do Tibagi a mando do Governador da Capitania de São Paulo, D. Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão (NOTÍCIAS, 1956); a correspondência do Governador e Capitão-General do Estado do Grão-Pará e Maranhão, Francisco Xavier de Mendonça Furtado: 1751- 1759 (Mendonça, 2005) e dois livros do naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira com seus escritos e imagens produzidos por ele e seus desenhistas no último quarto do século (FERREIRA, 1972; 1971). Tirando a obra do historiador brasileiro os demais são relatos de entradas e descrições de terras além da fronteira colonial. Em nenhum localizamos a palavra paisagem sendo empregada. Apenas a referência indireta a esse gênero de pintura através da descrição de sua utilidade, um quadro com a natureza para o desfrute visual.

Embora encontremos muitas descrições de um país ou de paises, acompanhadas de aquarelas, o termo paisagem está ausente. As aquarelas elaboradas no último quarto do século XVIII pelos desenhistas José Joaquim Codima e José Joaquim Freire, ilustradores que fizeram parte da expedição do naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira retratando em perspectiva locais da Amazonia, foram intituladas de prospectos e vistas. Como prospectos temos as imagens da vila de Monforte (na Ilha de Marajó), a vila de Cametá, o quartel da tropa em Barcelos, a Fortaleza e a vila de São José de Marabitanas; e como vistas os afluentes do rio Negro e seu entorno (Uaupé, Içana), e a cidade de Santa Maria de Belém do Pará (FERREIRA,1971).

A paisagem constava nos dicionários e havia paisagistas em Portugal e algumas poucas obras de paisagem. O pintor português Cirilo Volkmar Machado (1748-1823) em suas memórias relativas a artistas publicada em 1823, escrevendo sobre o artista lusitano António Francisco Rosa (sec. XVIII-1829) informa que: “Nasceo em Belém com génio muito propenso para a pintura: Seu Pae, que tinha o mesmo nome lhe deo as primeiras lições desta Arte. Applicou-se com muito proveito ao género das flores, ao das paisagens, e ao dos ornamentos, vive felizmente” (p. 244).

Portanto, longe de significar o desconhecimento da palavra paisagem, tal ausência sugere o seu desuso em terras onde não se produzia e consumia tal gênero de pintura até inícios do século XIX. Indica a carência de paisagens no Brasil do século XVIII em função da relativa irrelevância desse gênero de pintura na Metrópole e da inexistência de um mercado consumidor. Pelo menos, neste ultimo aspecto, essa é a conclusão que se pode tirar da falta de estudos sobre o comércio de pinturas e sobre as coleções de artes existentes na América portuguesa (TELLES, 2015).

Entretanto, constatamos a evocação a esse gênero de pintura, paisagem, através da alusão à representação pictórica em Correspondência do Governador e Capitão-General do Estado do Grão-Pará e Maranhão, Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Trata-se de um documento do Governador e Capitão-General sobre o Grão Pará. Nele desenvolve descrições de algumas vistas acentuando o seu caráter sublime e associando-a a uma pintura: “Reconheceu o estado das obras exteriores, e interiores daquela fortificação; examinou os petrechos, e passou revista à guarnição; e dando as providências competentes para a conservação deste presídio, continuou viagem a explorar pela mesma margem as Missões que por ela se alongavam até a Fortaleza dos Pauxis, que eram sete, da mesma administração dos Capuchos de Santo Antônio e Piedade; umas com posituras em sítios elevados de montanhas, outras em margens de muitos e dilatados lagos, por onde o Amazonas se desafoga, formando países sumamente agradáveis à vista, que trasladam ao gosto os mais aprazíveis quadros para o recreio, notando dos arvoredos a perpétua verdura, disposta pela natureza em ilhas com simetria tão bela por entre aquela pasmosa tranqüilidade de águas, que feridas pela luz do sol, se representa artificiosa bordadura de instantâneos brilhantes, que vai circulando e guarnecendo o bem tecido e intrincado dos bosques” (v. 3, p.434-436). Esse tipo de referência implícita à pintura de paisagem, “aprazíveis quadros para o recreio”. Seguindo Bluteau, trata-se de um painel, uma pintura, para restituir forças de quem a observa.

Esse tipo de referência figurada não era incomum. Ao definir paisagem Bluteau lembra uma passagem do escritor português Luís Mendes Vasconcelos, no livro Do sitio de Lisboa: diálogo, publicado em Lisboa, em 1608 onde a evocação é explicitada: “...podendo ir em Bergantins pelo rio, até Almerim, vendo as praias, & campos deste nosso rio, de uma, & outra parte tão deletosos a vista, como experimentão os que fazem esse caminho, pois pela parte meas ladeiras, que caem no Tejo, estão espalhados, fazendo mais formosa vista, da que representam os painéis de boas pausages & da outra parte, os estendidos, & férteis campos que o Tejo rega, & os paços, & lugar de Saluaterra, que oferecem agradável repousa a sua Alteza [...]” (p. 207). Não era qualquer vista da terra que levava à evocação à pintura de paisagem, mas aquelas que eram agradáveis de serem desfrutadas visualmente para recreio, que significava para alívio do trabalho conforme Bluteau (1720, p. 165)

Talvez a referência subintendida ao termo através do que ele significa, um gênero de pintura, ou a falta de uso da palavra uma vez que esses quadros não eram comuns na colônia, tenha ajudado na força em que, com o conteúdo transformado, será assimilada a partir do século XIX, quando é criado o Estado Nacional e a natureza se transforma num dos elementos de identidade nacional.

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