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Delimitações introdutórias
 

Antonio César de Almeida Santos

UFPR

publicado em 16/04/2018

Com o objetivo de alcançar uma melhor compreensão das sociedades ibéricas e ibero-americanas no contexto da Ilustração, diversos integrantes do Grupo de Pesquisa Cultura e Educação nos Impérios Ibéricos (CEIbero) estão investigando os usos e os significados que foram conferidos a determinadas palavras por sujeitos pertencentes à cultura escrita daquelas sociedades. Em vista desse objetivo, trabalhamos com a hipótese de que o vocabulário de uma determinada sociedade permite acesso à “realidade histórica” dessa mesma sociedade, como é possível verificar, por exemplo, em estudo que Francisco Ortega realizou sobre as transformações do sentido da palavra colônia, indicando que sua intenção foi a de “aclarar o que entendiam os atores do período ao enunciá-la” (ORTEGA, 2011: 12). Com preocupação semelhante, Nuria Soriano Muñoz analisou o termo imparcialidade no âmbito da Ilustração espanhola, apontando para a “importância social” do vocabulário do “século das Luzes”, pois o estudo de “conceitos característicos” de uma época, “além de propor novas perspectivas para compreender os problemas históricos, permite ao historiador traçar laços de coesão social entre os grupos que os utilizavam com um mesmo significado” (SORIANO, 2018: 203-204).

Para o estudo que propomos realizar, utilizamos alguns procedimentos metodológicos da História dos Conceitos (Begriffsgeschichte), ainda que nosso objetivo não seja o de produzir uma história de conceitos (ou de palavras) cujos significados elaborados em determinada época chegaram até nós, participando da construção de nossa modernidade, como na proposta defendida por Koselleck (ver KOSELLECK, 2006 e RICHTER, 2006). Ou seja, não pretendemos produzir, em sentido estrito, as histórias de um conjunto de palavras, expondo e discutindo “a estratificação” dos seus significados em diferentes épocas (ver KOSELLECK, 2006: 97-118); nossa intenção é a de “estudar a história dos usos que se dava a essas palavras nas argumentações” que estavam sendo elaboradas pelos sujeitos que viviam em determinados contextos (SEBÁSTIAN, 2006: 250).

Método, ciência, censura, civil, civilização, letrado, curioso, curiosidade, útil, utilidade, instrução, educação, são palavras que, entre outras, ocupam significativo espaço na documentação do século XVIII português, aparecendo na legislação em geral, em papéis administrativos de várias instâncias, em papéis privados, na produção intelectual de cunho moral e político, dentre outras espécies de materiais manuscritos ou impressos. Conhecemos os significados atuais destas palavras e as utilizamos em nossa linguagem cotidiana ou em situações mais especializadas, demonstrando que possuímos uma relativa segurança ao empregá-las; isto quer dizer que, no geral, sabemos o que elas, hoje, significam. Mas, ainda que seja possível estabelecer o momento no qual elas ingressaram em nosso léxico, ou seja, no repertório dos termos que fazem parte da nossa língua (a portuguesa), nem sempre é fácil determinar os seus usos e significados pretéritos.

Dada a ocorrência de transformações de significados no decorrer do tempo, nós, historiadores, enfrentamos de modo recorrente a tarefa de saber que sentido determinada palavra possuía no momento em que foi inscrita no documento com o qual estamos trabalhando; quer dizer, sempre nos defrontamos (ou devíamos nos defrontar) com a tarefa de saber o que o autor do documento que está sendo interpretado estava querendo dizer ao empregar determinada palavra. Por exemplo, o que significava moderno para um teólogo, no século XV? Nelson Mello e Souza, ao abordar a trajetória semântica da palavra moderno (e de termos dela derivados), indica que, até o século XVII, ela detinha um “caráter negativo”, sendo utilizada para designar os “defensores de heresias”, ou os “críticos do Papado”. Mas, “a partir do século XVIII”, a palavra moderno consolidou uma inflexão positiva, que vinha sendo construída desde o século anterior. Moderno passou a possuir um “sentido de ruptura em relação ao passado dogmático”, e a palavra foi utilizada para designar uma época histórica “muito melhor em relação a tudo que existira” (SOUZA, 1994: 24-26). Uma mesma palavra e dois significados completamente distintos, os quais só podem ser alcançados se considerarmos os seus contextos de utilização.

Situação semelhante ocorreu com a palavra tirania. Jonathan Israel, ao tratar do contexto político inglês face às ideias do “Iluminismo radical” e das “revoluções” do século XVIII, mostra que “a palavra e o conceito de ‘tirania’ tiveram seus significados claramente modificados ao serem utilizados pela política europeia e pela alta cultura na década de 1760 e 1770”. A mudança de significado estaria ligada a transformações relacionadas ao exercício do poder régio: no lugar de se considerar que os soberanos “eram livres para agir como quisessem”, passou-se a entender que “nenhum governante tinha o direito de fazer qualquer coisa que não fosse para o bem da sociedade”. Nesta visão, “a tirania estava praticamente em todo lugar”, significando tudo aquilo que não fizesse parte “do melhor interesse do povo” e, como tal, deveria ser combatida de todas as formas possíveis. Antes desta acepção, a palavra tirania era empregada para designar o uso de “regras legalmente irrestritas que violavam procedimentos constitucionais previamente estabelecidos”, restringindo “privilégios e direitos legalmente definidos, especialmente os dos nobres, clérigos e corporações da cidade”, o que conferia ampla liberdade aos soberanos, “desde que observassem as leis fundamentais de seus reinos” (ISRAEL, 2013: 90-92). Novamente, se nos interessar saber o que a palavra tirania significava para aquele que a empregou em dado documento, precisamos determinar o contexto de sua utilização, na medida em que seu utilizador poderia querer expressar algo distinto daquilo que acreditamos que ele quis manifestar. O risco maior, aliás, seria o de atribuir ao termo tirania e a outros os sentidos que, hoje, damos a tais palavras.

Ainda seguindo com exemplos, Melvin Richter, em determinada ocasião, fez alguns comentários sobre o termo comparação. Trata-se de uma situação que merece ser apresentada aqui especialmente por causa de seu enfoque metodológico, que utiliza pressupostos da Begriffsgeschichte. O interesse de Richter era o de saber “se o significado de ‘comparação’ nos dias de hoje é o mesmo daquele do século XVIII”. Seu questionamento tinha como hipótese considerar que “as pessoas tendem a supor que este é um conceito transparente, que é relativamente estático, e que as pessoas no século XVIII, na medida em que também praticavam a comparação, estavam fazendo quase as mesmas perguntas que hoje fazemos”. A partir desta indagação, Richter procurou, na Enciclopédia, algum vestígio sobre a definição do termo. A entrada “comparação” aparecia em dois registros: “um desses verbetes pertencia ao ramo da retórica” e o outro “estava classificado como filosófico-lógico”, apresentando “uma teoria filosófica da ‘comparação’, que havia sido adaptada do Essay on Human Understanding de John Locke, em que esse autor classifica a ‘comparação’ como uma das operações básicas da mente humana. Isso me deu uma compreensão inteiramente diferente daquilo que as pessoas no século XVIII estavam fazendo quando diziam que comparavam” (FERES Jr. & OIENI, 2006: 122).

Partindo destes comentários iniciais, vamos apresentar alguns pontos da abordagem que estamos construindo para a elaboração deste Glossário de termos da Ilustração luso-brasileira. Com essa abordagem, desejamos promover uma necessária identidade metodológica entre as investigações que vêm sendo desenvolvidas pelos integrantes do CEIbero. Em linhas gerais, desejamos identificar os significados que certas palavras detinham nos contextos em que foram utilizadas, uma tarefa que, além de estar voltada a decifrar o significado de palavras (algumas delas em desuso, nos dias atuais), também propiciará uma melhor compreensão da sociedade em que tais significados foram construídos.

Não obstantes algumas ressalvas, nosso ponto de partida para a abordagem que está sendo proposta deriva, como já indicamos, de alguns procedimentos metodológicos da História dos Conceitos, conforme preconizada por Reinhart Koselleck. Mesmo considerando que “todo conceito se prende a uma palavra, mas nem toda palavra é um conceito social e político”, na medida em que estes últimos “contêm uma exigência concreta de generalização, ao mesmo tempo em que são sempre polissêmicos”, as proposições de Koselleck permitem pensar na possibilidade de se construir histórias de palavras, assim como de conceitos, na medida em que ele também reconhece que “o sentido de uma palavra pode ser determinado pelo seu uso” (KOSELLECK, 2006: 108 e 109). Esse aspecto é essencial para a abordagem proposta e, nesse sentido em especial, também levamos em conta alguns enunciados do chamado “nominalismo radical” de Ludwig Wittgenstein, apesar das evidentes diferenças entre as suas posições e as de Koselleck, em vista dos interesses de um e de outro. A propósito das ideias de Wittgenstein, Marcos Bagno defende que “não há possibilidade de experiência-conhecimento fora da linguagem, que nos constitui. O conceito-palavra, isto é, o signo, é uma forma de vida (Lebensform) decorrente da atividade (Tätigkeit) daqueles que a empregam” (BAGNO, 2013: 127). Pode-se dizer que Bagno utiliza-se de outras palavras para dizer algo semelhante ao que o padre Rafael Bluteau enunciou no início do século XVIII, no Prólogo [ao Leitor pseudocrítico] de seu Vocabulário português e latino: “Para o uso das palavras, não há autores mais graves que os mestres do ofício de que são as palavras. Que querias? Que para palavras próprias do ofício do Sangrador ou Barbeiro, puxasse por autoridades da Arte de reinar de Parada, ou do Autor da Brachilogia dos Princípios? [...] Não me arrependo do tempo que levou esta curiosidade: sem exemplos de autores, cada dia se formaria dúvidas sobre o significado e uso de muitas das palavras deste Vocabulário” (BLUTEAU, 1712 [t.1]: s/p; itálicos no original).

Apesar das peculiaridades de cada uma das posições apontadas acima, existe uma congruência em relação à importância de se considerar o uso dado às palavras quando o interesse é decifrar o sentido que lhes é conferido. A propósito, Elias José Palti redigiu um interessante trabalho sobre os usos das palavras pueblo (singular) e pueblos (plural), durante as Cortes de Cádiz (1810-1814), por espanhóis europeus e americanos, procurando mostrar, em linhas gerais, como ocorreu uma inversão nos sentidos atribuídos àqueles dois termos pelos grupos que disputavam suas posições naquele contexto; assim, pueblo aparecia ligado a uma concepção moderna de nacionalidade, expressa por um conceito de nação única e indivisível, como estava sendo defendida pelos liberais espanhóis. Ao contrário, os colonos americanos defendiam uma concepção de soberania assentada na noção de pueblos, que implicava considerar as diferentes formas de agrupamentos sociais na definição de uma nacionalidade (ver PALTI, 2005). No entanto, as “novidades introduzidas em Cádiz” encontravam uma forte resistência dos representantes das “províncias ultramarinas”, que manifestavam “uma conjunção de modernidade política e arcaísmo social que se expressa na hibridez da linguagem política que superpõe referências culturais modernas a categorias e valores que remetem claramente a imaginários tradicionais” (PALTI, 2007: 63).

Retomemos, porém, a discussão de certos procedimentos concernentes à Begriffsgeschichte, os quais podem ajudar nesta proposta de busca pela compreensão do sentido que determinados sujeitos atribuíam às palavras que utilizavam. Conforme Koselleck, caso queiramos articular a carga semântica de dados conceitos (ou palavras) a uma realidade histórica, é necessário atender a uma “exigência metodológica mínima”, qual seja, a de procurar “compreender os conflitos sociais e políticos do passado por meio das delimitações conceituais e da interpretação dos usos da linguagem feitos pelos contemporâneos de então”. Nesse sentido, parece interessante considerar que “A história dos conceitos é, em primeiro lugar, um método especializado da crítica de fontes que atenta para o emprego de termos relevantes do ponto de vista social e político e que analisa com particular empenho expressões fundamentais de conteúdo social ou político. É evidente que uma análise histórica dos respectivos conceitos deve remeter não só à história da língua, mas também a dados da história social, pois toda semântica se relaciona a conteúdos que ultrapassam a dimensão linguística” (KOSELLECK, 2006: 103).

Sandro Chignola aponta que essa História dos Conceitos requer a elaboração de “uma teoria geral” que oriente as operações necessárias para se capturar “o sentido geral do desenvolvimento diacrônico do vocabulário político e social” de uma sociedade (CHIGNOLA, 2015: 34). Como já indicado, a Begriffsgeschichte propõe uma ação retrospectiva, que busca compreender como se formaram os significados de conceitos sociais e políticos atualmente em uso; assim, “a partir da investigação de significados passados, tanto a história dos termos quanto a dos conceitos conduz à fixação desses significados sob a nossa perspectiva contemporânea” (KOSELLECK, 2006: 104; ver também KOSELLECK, 2012). De nossa parte, a “teoria geral” da abordagem que está sendo proposta considera que, à medida que “as palavras também são atos”, seus significados são produzidos pelos que delas se utilizam em contextos determinados. Trata-se de levar em conta observação formulada por Quentin Skinner em estudo sobre Hobbes: “para entender e interpretar seus textos, sugiro que precisamos reconhecer a força da máxima segundo a qual palavras também são atos”. Skinner refere-se a proposições de Wittgenstein, acrescentando que “precisamos nos colocar em uma posição que nos permita captar que tipo de intervenção os textos de Hobbes podem ter constituído” (SKINNER, 2010: 14-15).

Retomando alguns aspectos da História dos Conceitos, Mario Molano Vega afirma que para empregá-la é preciso levar em conta “quem fala, em que contexto e com qual intencionalidade” (MOLANO, 2015: 170). Além desta recomendação – que, sem dúvida, deve ser observada – parece necessário agregar a ela três tarefas, que Daniel Little considera essenciais para a obtenção de bons resultados com essa metodologia: “[1] identificar os conceitos que são, ou possíveis, ou necessários em caracterizar a história; [2] localizar esses conceitos dentro de um contexto de discursos e conflitos sociais e políticos do período temporal; e [3] avaliar criticamente vários desses conceitos pela sua utilidade na análise histórica”. Daniel Little, enfim, destaca que a proposta metodológica da Begriffsgeschichte encaminha-se na direção de “uma tentativa rigorosa de descobrir os significados e usos desses conceitos em seus contextos históricos” (LITTLE, 2016: 15-16). Como se percebe, estas orientações apontam para a possibilidade de decifrar os significados conferidos a determinadas palavras em seus contextos de utilização e de buscar uma melhor compreensão da sociedade em que as mesmas foram utilizadas.

No que se refere a procedimentos metodológicos, Koselleck indica que “a investigação de um conceito não deve ser conduzida exclusivamente do ponto de vista semasiológico, restringindo-se aos significados das palavras e às suas modificações. Uma história dos conceitos deve sempre considerar os resultados obtidos a partir da investigação histórica do ponto de vista espiritual/intelectual e material; acima de tudo, a história dos conceitos deve alternar entre a abordagem semasiológica e a onomasiológica. Isso significa que ela deve registrar as diferentes designações para os fatos (idênticos?), de forma que seja possível explicar o processo de cunhagem dessas designações em conceito” (KOSELLECK, 2006: 111). Assim, devemos estar atentos para os distintos significados que uma determinada palavra pode possuir e, ao mesmo tempo, para aqueles outros termos ou expressões que são utilizados em substituição a ela. Neste aspecto em particular, a estratégia de buscar, nos mesmos contextos linguísticos, termos opostos àqueles de que interessa apreender seus significados também pode mostrar-se bastante proveitosa para a elucidação dos sentidos conferidos às palavras. A propósito, Fátima Ferreira, em estudo sobre o conceito de ordem, refere-se a “uma tendência antiga na semântica do vocábulo: a sua contraposição dicotômica a um vocábulo oposto, em um percurso que passa pela oposição à desordem, à anarquia e à revolução” (FERREIRA, 2011: 33). Esta situação também pode ser percebida, por exemplo, na confrontação de termos utilizados para designar a “incivilidade” daqueles que se quer “cristianizar e civilizar”: palavras como “gentilidade” e “barbaridade” e expressões como “abomináveis costumes do paganismo” e “ignorância e rusticidade”, dentre muitas outras, como encontrado no Diretório que se deve observar nas povoações dos índios do Pará e Maranhão (1758), mostram o(s) sentido(s) que estava(m) sendo atribuído(s) à palavra civilizar.

A outra orientação metodológica que contribui para a abordagem que está sendo proposta para identificar os significados que certas palavras detinham nos contextos em que estavam sendo utilizadas é aquela elaborada por Quentin Skinner. Em linhas gerais, Marcos Antônio Lopes aponta que a metodologia de Skinner fundamenta-se na “relação texto/contexto” e nas noções de “intencionalidade autoral”, “atos do discurso” e “vocabulário normativo de uma época” (LOPES, 2002: 16). O chamado contextualismo linguístico, portanto, considera essencial “levar em conta o contexto intelectual” em que os textos foram concebidos, o que significa analisar “a natureza e os limites do vocabulário normativo disponível em qualquer época dada” (SKINNER, 1996: 10). A abordagem de Skinner também está assentada na identificação da “intenção” que um autor teve quando realizou um ato linguístico, ou seja, um proferimento: o que o autor quis dizer com aquilo que disse (para nós, trata-se de averiguar o que determinado autor quis manifestar quando utilizou uma certa palavra). Para determinar essa intenção é essencial a reconstrução do contexto de produção (e de utilização) de um determinado vocabulário, responsável pela expressão das ideias que o autor quer comunicar. Nos termos de Skinner, a intenção será alcançada por intermédio da identificação da “força ilocutória” que o autor imprimiu (ou quis imprimir) ao seu texto (que é a expressão de sua intenção): “A forma como Austin normalmente coloca a questão é dizer que quando ‘entendemos’ a força ilocutória de uma afirmação isso significa compreender aquilo que seu autor ‘estava a fazer’ ao exprimir-se daquela maneira” (SKINNER, 2005: 139).

Pierre Rosanvallon entende que esse tipo de abordagem requer que o historiador volte sua atenção para uma multiplicidade de documentos, capazes de descortinar a “mentalidade de uma época”, ou seja, ao lado de obras canônicas, devemos voltar nossa “atenção às obras literárias, à imprensa e aos movimentos de opinião, panfletos e discursos parlamentares, emblemas e signos” (ROSANVALLON, 2010: 45). Nesse sentido, para se entender um dado texto, ou melhor, os significados das palavras nele contidas é preciso considerar que elas estão sendo endereçadas a um público contemporâneo àquele que fez uso delas. Ou seja, as palavras utilizadas em um texto serão recebidas por leitores que conhecem os seus significados. Aliás, “as novidades linguísticas sempre devem legitimar-se de acordo com as linguagens pré-existentes”, para permitir que os novos significados sejam “compreensíveis e articuláveis dentro do vocabulário disponível” (PALTI, 2005: 336). Nesse sentido, interessante considerar que as pesquisas em História dos Conceitos preconizam grande atenção para “a leitura de enciclopédias, léxicos e dicionários do período do qual se está tratando” (RICHTER, 2006: 122). Mas, não obstante considerarmos válida esta indicação, compartilhamos de ressalva apresentada por Francisco Ortega: “apesar da continuidade de acepções admitidas em dicionários de época constituírem uma evidência importante, ela não é concludente. Os dicionários são fontes pouco indicadas para explorar alterações e transformações semânticas, em especial aquelas que tem relação com temas proibidos” (ORTEGA, 2011:14).

Nos verbetes que compõem este Glossário, poderemos acompanhar a utilização de diferentes termos no contexto de uma cultura letrada portuguesa de meados do século XVIII. Os mesmos verbetes mostram, assim, a pertinência de estudos sobre os usos e os significados das palavras presentes na documentação com que trabalhamos. Portanto, elucidar os usos e os significados de palavras que constituem os vocabulários de sociedades historicamente situadas propiciará uma melhor compreensão destas mesmas sociedades e, para isso, devemos considerar as temporalidades e as relações que produzem os sentidos das palavras empregadas por estas sociedades, identificando quem as utiliza, em que contexto e com qual finalidade (ver MOLANO, 2015: 170). Enfim, estamos considerando que a linguagem, além de ser reconhecida como um indicativo da “experiência social” de determinada comunidade, também é “fator decisivo para a reprodução social” (ORTEGA, 2011: 12).

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