Método
Eduardo Teixeira de Carvalho Junior
UNICURITIBA
publicado em 30/07/2019
atualizado em 06/10/2021
Partindo da premissa de que determinadas palavras, como estado, sociedade, liberdade tornam-se conceitos, na medida em que possuem uma dimensão ideológica como seu traço característico, elas só podem ser compreendidas adequadamente em seu contexto de utilização. Por isso, é fundamental observar quem as maneja e com quais propósitos, considerando que o uso da palavra é que determinará o seu sentido (SEBASTIÁN, 2004: 131-151). Um conceito pode ser compreendido como uma palavra utilizada de forma recorrente em determinado contexto para descrever e avaliar uma determinada realidade social, podendo ser aplicada, em muitos casos, quando estão em jogo propostas mais amplas de transformação cultural e de mudanças sociais (SKINNER, 2005: 221-244), como foi o caso do termo método no século XVIII português.
De forma geral, a maneira como o termo método foi utilizado e fixado no século XVIII remete ao significado genérico de forma ou maneira de fazer algo, com mais rapidez, eficiência, exatidão etc. No dicionário de Rafael Bluteau, “método” ou “methodo”, é definido como “modo industrioso, ordem & arte de obrar, discursar, ou ensinar com mais brevidade, & facilidade”. Ele usa como exemplo o tratado sobre arquitetura militar escrito por Luís Serrão Pimentel, o Método Lusitânico de Desenhar as Fortificações das Praças Regulares e Irregulares (1680) (BLUTEAU, 1716 [t.5]: 467). Adjetivada como lusitano, a palavra método serviu, neste caso, para distinguir a maneira portuguesa de construção de suas fortificações das formas utilizadas pelas outras nações. Poderíamos citar uma série de títulos do século XVIII português que utilizaram o termo método com o mesmo significado genérico de forma ou modo de se fazer algo, como a Relação cirurgica, e médica, na qual se trata, e declara especialmente hum novo methodo para curar a infecção escorbutica (1741), de João Cardoso de Miranda, o Methodo fácil, e devoto de ouvir missa com várias orações para antes da confissão e comunhão sacramental (1744), do padre Valério Bernardes, o Verdadeiro Método de Estudar (1746), de Luís António Verney, o Novo Methodo da Grammatica Latina (1753), de António Pereira de Figueiredo, o Método para apreender e estudar a medicina (1763), de António Nunes Ribeiro Sanches, o Verdadeiro Methodo de Pregar (1762), de Fr. Manuel da Epifania, o Methodo ou explicação para aprender com perfeição a dançar as contradanças (1761), de Julio Severin Pantezze, o Methodo para construir as estradas em Portugal (1790), de José Diogo de Mascarenhas Neto, etc. Há vários outros títulos em que a palavra método aparece significando maneiras ou modos para cultivo de plantas, criação de animais, transporte de aguardente etc.
Entretanto, algumas obras acabaram por provocar polêmicas e fortes reações por questionarem a maneira ou o modo de estabelecer o que até então era considerado verdadeiro. Trata-se basicamente de textos que abordaram a questão do conhecimento e a sua forma de transmissão, sobretudo método de estudar e método de ensinar, como foi o caso do Discurso sobre o método, de René Descartes (1637), na França, e o Verdadeiro Método de Estudar (1746), de Luís António Verney, em Portugal. A partir da publicação da obra polêmica de Descartes, o método tornou-se um elemento essencial na concepção de ciência moderna, de tal maneira que hoje, dificilmente, poderia existir um procedimento que pudesse ser considerado científico sem o uso de um método.
De acordo com o dicionário de filosofia de Nicola Abbagnano, além de significar um procedimento de investigação controlado e repetível que garante resultados válidos, o método pode ser associado a qualquer pesquisa sem que se faça distinção entre “investigação” ou “doutrina”, e acrescenta que “De modo geral, não há doutrina que não possa ser considerada e chamada de Método” (ABBAGNANO, 2007: 780). Desta forma, não seria possível existir um método universal que pudesse estar completamente livre de influências ideológicas ou políticas, conforme foi reiterado pela maioria dos filósofos pós-positivistas. A ideia de uma razão universal, ou de um modelo de conhecimento universal, é fruto de uma visão de mundo eurocêntrica, por isso o pluralismo epistemológico é a perspectiva mais aceita atualmente, de tal forma que para todos os problemas levantados pela ciência se admite diferentes métodos de abordagem. Contudo, podemos dizer que no processo de constituição da modernidade, a questão do método, principalmente quando associado à construção da ciência - que se apresentava como uma nova doutrina - foi um termo controverso e polêmico, e o caso português talvez tenha sido um dos mais emblemáticos.
No final do século XVIII, no dicionário de Antonio de Moraes Silva, o termo método apresenta elementos de caráter mais epistemológico em relação ao já mencionado Rafael Bluteau, significando “ordem na disposição dos pensamentos, palavras, raciocínios, partes de algum tratado ou discurso” e, além disso, apresenta também a idéia de caminho (“direção”) associado à expressão “método de estudar” (SILVA, 1789, [t.2]: 80). A expressão “método de estudar” utilizada por Moraes, provavelmente está referida à grande polêmica em torno da obra de Luís António Verney, Verdadeiro Método de Estudar (1746), talvez a mais importante do iluminismo português (VERNEY, 1950). Sem contribuir com ideias originais, Verney acusava o estado de atraso da cultura portuguesa e propunha uma reforma do sistema de ensino português, chamando a atenção para a importância de filósofos modernos que costumavam ser proibidos no ambiente intelectual português, como Descartes e Locke.
O adjetivo verdadeiro acoplado ao termo método no título da obra remete à conotação política que este termo assumiu no contexto português do século XVIII. Desta forma, Verney procurava criticar o método que até então predominava nas escolas e universidades portuguesas. De acordo com ele Portugal estava atrasado em relação às potências estrangeiras devido à permanência do método escolástico nas instituições de ensino portuguesas. Para Verney método é “aquela operação do entendimento tão necessária em todo o gênero de Ciências, e sem a qual não se pode discorrer bem” (VERNEY, 1950 [t3]: 105).
No Discurso sobre o método também não encontramos uma definição clara e precisa sobre o termo, mas sim a proposta de um grande projeto, que conforme assumido por ele mesmo, visava “buscar o verdadeiro método para chegar ao conhecimento de todas as coisas de que meu espírito seria capaz" (DESCARTES, 1996: 21).Este projeto envolvia um amplo conjunto de princípios que, juntos, formavam todo um sistema próprio de pensamento, mas cuja motivação principal era a destruição da velha “filosofia especulativa ensinada nas escolas”, ou seja, a destruição da filosofia escolástica.(DESCARTES, 1996: 69). Seu livro, baseado no princípio da dúvida metódica, era bastante ousado, na medida em que partia de um questionamento acerca de “todas as opiniões antes aceitas” e - conforme reconhece o próprio Descartes - ao mesmo tempo perigoso e arriscado: “não é um exemplo que todos devam seguir” (DESCARTES, 1996: 19). O método cartesiano era também uma nova filosofia, definida por ele como uma “filosofia prática” voltada para o conhecimento da “força e as ações do fogo, da água, do ar, dos astros, dos céus e de todos os outros corpos que nos rodeiam” e tais conhecimentos poderiam ser empregados de tal maneira que os homens poderiam controlar a natureza, como “senhores e possessores” dela (DESCARTES, 1996: 69). O projeto cartesiano representava toda uma nova visão de mundo na qual o homem se emancipava da tutela divina e passava a ter mais autonomia para conhecer a natureza e agir de acordo com sua vontade própria, ao contrário do que apregoava a filosofia escolástica.
A escolástica foi a filosofia predominante na Idade Média que serviu como um guia para a correta interpretação dos textos canônicos. A questão principal da escolástica era saber como levar o homem a compreender a verdade revelada. Caracterizada pelo dogma, a verdade revelada não poderia ser contestada. Para transmitir a verdade religiosa, o princípio mais fundamental da escolástica era a autoridade, representada por meio de um Concílio, de um texto, de um filósofo, de um padre. Do ponto de vista do ensino, a escolástica era constituída por um conjunto de práticas específicas, como a leitura e comentário de textos canônicos ou a interpretação de algum filósofo reconhecido e recomendado pela Igreja. Na medida em que procurava manter a correta interpretação dos textos, assumia o aspecto de uma “ciência do comentário” (BARROS, 2012: 232-239). Conforme apontava Bacon, o método usado pela maioria dos filósofos de sua época, denominado por ele de “método tradicional”, era um procedimento caracterizado por reunir e consultar o que os outros disseram antes (BACON, 1999: 64).
Em Portugal, a grande maioria das instituições de ensino era controlada pelos jesuítas que, de forma geral, seguiam o modelo escolástico, presente nos princípios da Ratio Studiorum. Segundo este texto normativo, que contém as principais orientações pedagógicas da Companhia de Jesus, não poderia haver diversidade de opiniões que pudesse por em risco a estabilidade da ordem e eram proibidos de ensinar os professores inclinados a novidades no campo da Filosofia (CARVALHO, 2001: 332). Na 15ª Congregação Geral da Ordem, que ocorreu em Roma, em 1706, concluiu-se, por exemplo, que a obra de Descartes continha elementos que colocavam em risco os dogmas da fé. Mais tarde, em 1712, por provisão de D. João V, advertiam-se os mestres do Colégio das Artes, em Coimbra, sobre a proibição dos desvios à filosofia oficial. No edital de maio de 1746 da Universidade de Coimbra, advertia-se: “nos exames ou lições, conclusões públicas ou particulares, se não ensine defensão (doutrina) ou opiniões novas pouco recebidas ou inúteis para o estudo das ciências maiores, como são as do Renato Descartes, Gassendo, Neuton e outros” (DIAS, 1952: 182-183).
Embora não fossem bem recebidos do ponto de vista institucional, os livros destes autores acabavam circulando de forma clandestina, ou por meio do contato de portugueses com ambientes intelectuais estrangeiros. Conforme aponta Silva Dias, havia um conflito nos bastidores da corte entre antigos e modernos, entre “estrangeirados” e nacionais conservadores (DIAS, 1952: 182-183). Na sua obra, publicada em 1734, intitulada Apontamentos para a educação de um menino nobre, Martinho de Mendonça de Pina e Proença já apresentava algumas críticas ao modelo de ensino praticado em Portugal. Apontando o excesso de erudição, sugeriu um ensino mais voltado às necessidades do estado; de acordo com ele, faltava “aquele método de educação, que praticam as nações mais polidas” (PROENÇA, 1734: 228).
Dois anos antes do edital da Universidade de Coimbra, em 1744, foi publicada a Lógica, Racional, Geométrica e Analítica, de Manuel de Azevedo Fortes, que, além de fazer elogios a Descartes, apresentava uma série de críticas à lógica praticada nas instituições de ensino de Portugal. Segundo ele, as aulas de lógica eram “cheias de questões metafísicas” que confundiam a cabeça dos alunos, fazendo-os perder muito tempo com “inutilidades” (FORTES, 1744: Antiloquio s/p). Com todas as licenças necessárias para sua publicação, essa obra consistia na proposta de “um novo método de tratar a Lógica”, mais rápido, simples e eficaz do que aquele praticado nas instituições de ensino portuguesas. O tratamento dado por ele sobre este assunto é o mesmo encontrado nas obras de outros iluministas portugueses, como Verney e Teodoro de Almeida. Como um tópico da Lógica, o método é tratado em uma seção especial e definido como “arte de bem conduzir a razão para descobrir a verdade” (FORTES, 1744: 122). Ele distingue dois tipos de método, o método que utilizamos para instruir a nós mesmos, que ele chama de análise, ou método de divisão, e o método que serve para instruir os outros: síntese, ou método de composição. Em outras palavras, o método de análise, ou analítico, consiste em começar por aquilo que já conhecemos, pelas partes mais conhecidas, para então progressivamente chegarmos à totalidade da questão a ser esclarecida, e aponta algumas regras importantes que devem ser seguida para todas as ciências, como “não dar por verdadeira coisa alguma, que se não conheça com evidencia, e que claramente se apresenta ao espírito, sem deixar razão alguma de duvidar”, “dividir cada dificuldade, que se examina em tantas partes, quantas se requer para melhor se resolver” (FORTES, 1744: 126). Já o método da síntese ou sintético, como é utilizado para o ensino, “nos servimos das coisas mais gerais, e comuns, para descer as particulares, e mais compostas”, “não deixar nenhuma palavra sem a sua correta definição evitando ambigüidades e equívocos, provar demonstrativamente as proposições” (FORTES, 1744: 129-30).
Mas foi com a publicação do Verdadeiro Método de Estudar de Verney que o debate entre o método escolástico e o método da filosofia moderna tornou-se público, conforme sublinha Silva Dias: “O Verdadeiro Método foi, acima de tudo, um despertador. Produziu o choque psicológico das massas cultas, trazendo para a liça pública, em corpo inteiro, ideias e questões anteriormente confinadas ao murmúrio dos cenáculos ou à meia voz dos livros. Desempenhou em Portugal o mesmo papel que o Discurso cartesiano coubera em França, abrindo as hostilidades finais entre a cultura moderna e a 'grave filosofia' 'monacal' de que falava António Vieira” (DIAS, 1952: 204).
Ao contrário de seus antecessores, Verney utilizou de uma retórica carregada de sátira e ironias para atacar os adeptos do método escolástico. O estilo epistolar utilizado na sua argumentação colaborou significativamente para o impacto causado por sua obra nos meios literários de Portugal. Uma das praticas do método escolástico mais criticada por Verney foi o silogismo, uma forma de dedução, ou uma forma de raciocinar e organizar as idéias. Por exemplo: Todo homem é animal – Pedro é homem – Logo, Pedro é animal. O silogismo também era o modelo da prática discursiva utilizada nas disputas escolásticas. Para Verney, o problema do Silogismo é que “não faz mais que mostrar a conexão das partes, sem ensinar a buscar as provas”: o silogismo basicamente fazia um juízo a partir da conexão de ideias ou premissas: “se uma delas for falsa, será falsa a conclusão” (VERNEY, 1950 [v3]: 398). Como princípio do raciocínio dedutivo, Verney seguia os modernos, que defendiam o uso de demonstrações baseadas em evidência, de preferência mediante o uso do cálculo e da matemática. Resulta daí a preferência de Verney e da maioria dos filósofos modernos pelo método newtoniano, baseado na experiência e no cálculo.
No Verdadeiro Método de Estudar, Verney defendia uma ampla reforma do sistema educacional português, que pudesse formar um novo tipo de homem, que fosse útil ao estado. A maioria das críticas converge para a questão do método, por exemplo, o principal defeito da prática da Jurisprudência em Portugal, devia-se à sua “falta de método”, pois “nenhum juiz facilita a inteligência das coisas de que trata; nenhum se contenta de dizer pouco, contanto que diga bem; todo o ponto está em acarretar erudição e amontoar textos sem pé nem cabeça” (VERNEY, 1950 [v4]: 175). Ao criticar os métodos utilizados no ensino do latim, Verney apontava para o que chamava de “abusos das escolas deste reino, que impedem saber a língua latina” (VERNEY, 1950 [t1]: 193). Criticava a prática de fazer o aluno repetir e decorar versos latinos sem explicar-lhes o significado das frases e das palavras, “o método comum de dizer de cor é falar como papagaios, e exposto a mil enganos”, e o pior de tudo, ressaltava, quando os alunos erravam, eram molestados com “pancadas” (VERNEY, 1950 [t1]: 221). Nas suas críticas, Verney não poupou nem mesmo pináculos da cultura portuguesa, apontando defeitos na obra de Camões e fazendo críticas ao culto dos “grandes homens da nação”. Por isso foi chamado de traidor e inimigo da nação. As polêmicas do “novo método”, como ficaram conhecidas entre os letrados portugueses, estabeleceu os fundamentos da dimensão política e ideológica que o termo método assumiu no ambiente intelectual português do século XVIII.
Os defensores do método escolásticos demonstravam desprezo pela filosofia moderna por esta se dedicar ao que chamavam de questões frívolas e superficiais. Questionavam o valor das experiências científicas, se referindo a elas como uma “moda” passageira importada de outras nações. Verney era acusado de tentar “persuadir aos portugueses um novo modo para aprender, e ensinar as Ciências, que ordinariamente se praticam, e refutar o que até agora por tantos Mestres insignes, e que chegaram a ser grandes entre os maiores, se tem praticado neste Reino” (ARAÚJO, 1748: 7 e II). Também foi acusado de atacar a glória de Portugal ao criticar a Universidade de Coimbra, pois ele “intentou persuadir, que não tinha aquela Universidade método de ensinar” (DUARTE, 1749: 29). Os inimigos de Verney procuraram defender aquilo que consideravam ser o melhor para Portugal: manter a tradição e a pureza do catolicismo. O “novo método”, como era referenciado nos textos da polêmica, torna-se assim um termo-chave na medida em que colocava em questão toda a cultura portuguesa, ou seja, toda a “glória” e todo o “crédito da nação”. Enquanto alguns jesuítas argumentavam que as ideias contrárias à filosofia escolástica também contrariavam a Igreja Católica, Verney defendia que não havia conflito entre a filosofia moderna e os dogmas da Igreja. Afinal de contas, de acordo com seu sistema de ideias, o método da filosofia moderna também deveria dirigir o conhecimento da Teologia. Contudo, alguns debatedores adotaram uma postura mais moderada; o médico Antônio Isidoro da Nobrega, por exemplo, criticava os debatedores por se arriscarem a falar de ciências as quais não haviam estudado apropriadamente (NOBREGA, 1752). O debate sobre o método ficou marcado mais pelos ataques pessoais, recursos de retórica, assemelhando-se mais a uma disputa literária do que uma discussão científica sobre os princípios e os resultados que poderiam ser obtidos com o uso e aplicação do método proposto para cada caso. É importante ressaltar, mais uma vez, a dimensão ideológica que o debate acabou assumindo, tornando o termo método como uma espécie de bandeira política, resultando em uma polarização entre inimigos e defensores da nação.
Outros iluministas portugueses, como António Nunes Ribeiro Sanches e Teodoro de Almeida também aderiram ao método da filosofia natural como guia para o estudo de todas as disciplinas. Na sua Recreação Filosófica, Teodoro de Almeida também criticou alguns aspectos do método escolástico e defendeu com entusiasmo o método experimental de Newton (Ver ALMEIDA, 1786 [t1]: L). Ribeiro Sanches chegou a contribuir para a Enciclopédia de Diderot e D’Alembert com um artigo anônimo sobre a sífilis (BOXER, 2002: 208). Para ele, a medicina deveria ser “fundada na verdadeira Física”, por um “método de pensar, fundado no conhecimento interior provado pela experiência; e que tem por último fim e objecto achar os princípios e as causas de todos os nossos conhecimentos” (SANCHES, 2003: 1). As motivações de Ribeiro Sanches são praticamente as mesmas de Verney, como pode ser observado neste trecho do seu Método para aprender e estudar a Medicina: “[...] quero introduzir na melhor porção da Nação Portuguesa o método de comparar os efeitos para vir no conhecimento das suas causas; e de comparar e combinar estas, para prever e conhecer os efeitos que delas se poderão seguir: Que este foi o método de Bacon, de Verulâmio, Locke, & de Descartes, autores hereges, e não sem nota de Ateísmo” (grifo nosso) (SANCHES, 2003: 1).
A dimensão política da palavra método ficou evidenciada no contexto das Reformas Pombalinas, pois foi utilizado como termo demarcador entre a corrente progressista pombalina, identificada com a filosofia moderna, e a tradicional, de matriz escolástico-jesuíta. O antiescolasticismo reformista, acompanhado por um discurso antijesuíta, serviu para justificar as ações políticas que caracterizaram o reformismo de Pombal no campo da educação (CALAFATE, 2001: 29). Nos documentos da reforma do ensino, os jesuítas foram apontados como os únicos culpados e responsáveis pelo suposto atraso dos portugueses em relação às outras potências europeias. A principal razão do atraso se encontrava na educação, por isso o método foi o termo-chave do discurso pombalino para legitimar toda a violência utilizada contra os jesuítas. Vale lembrar que, embora a filosofia escolástica predominasse dentro da Companhia de Jesus, alguns jesuítas, como foi o caso de Inácio Monteiro, estavam acompanhando as mudanças promovidas pela filosofia moderna.
Após a derrota na batalha intelectual contra os modernos, os jesuítas são expulsos do reino português no ano de 1759. Seguindo o argumento verneyano, no Alvará de Reforma dos Estudos de 28 de junho de 1759 os jesuítas são apontados como conspiradores e responsáveis por todo o atraso de Portugal perante a Europa. Além disso, de acordo com este Alvará, os jesuítas utilizaram um método de ensino prejudicial para enfraquecer os portugueses e melhor dominá-los. Os inacianos resistiram, “com suas maquinações”, contra o “exemplo dos maiores Homens de todas as nações civilizadas” que lutaram “contra o método; contra o mau gosto; e contra a ruína dos Estudos” (SILVA, 1830: 674).
Na Dedução Cronológica (1767), um libelo produzido pelo governo pombalino contra a Companhia de Jesus, os jesuítas são acusados de terem destruído todo o reino (o comércio e a agricultura) por meio de seus “escolásticos sofismas” e “subterfúgios” para “enganar aos homens doutos” (DEDUCÇÃO, 1767: II).A crítica ao método escolástico feita por Verney é apropriada e apontada como uma importante iniciativa para tentar libertar Portugal daquele “estado de atraso e de ignorância” em que se encontrava sob o domínio dos jesuítas (DEDUCÇÃO, 1767: 496). E assim: “[...] entraram as luzes que deixaram patentes aos olhos de todo o mundo imparcial os erros, e prejuízos do confuso, e nunca perceptível Metodo chamado Jesuítico e a utilidade do outro solido, claro, e breve Método pelos mesmos jesuítas debalde impugnados” (grifo nosso) (DEDUCÇÃO, 1767: 499).
Mais tarde, no Compendio Histórico da Universidade de Coimbra (1771), foram listados de uma maneira detalhada e sistemática, todos os “estragos e impedimentos” provocados pelo método jesuítico. Neste documento, argumenta-se que os jesuítas “arrancaram das mãos dos Reitores, e Diretores daquela infeliz Universidade todo o governo dela “para produzir uma total “destruição de todas as leis, regras, e métodos” (COMPENDIO, 1771: VIII). A tese principal era a de que o corpo da monarquia portuguesa havia sido “envenenado”, e era preciso combater o problema tal como se combate uma “peste”. Por isso, a primeira providencia sugerida foi abolir os velhos estatutos da Universidade de Coimbra e elaborar novos estatutos. Além disso, argumentava-se que faltava aos estudantes conhecimento da “boa filosofia” ou “filosofia moderna”, que vinha sendo praticada em outros reinos desde que os filósofos “subjugaram Aristóteles” e passaram a filosofar de uma maneira diferente, fazendo surgir grandes autores como “Bacon, Descartes, Gassendo, Galileu, Pascal, Newton, Torriceli , Leibniz”, entre outros (COMPENDIO, 1771: 162).
O Compendio Histórico indica que os jesuítas “usaram de malicia”, proibindo o método sintético – que, de acordo com a definição de Azevedo Fortes e seguida por Verney, tratava-se do método voltado para facilitar o ensino das matérias - “para impedir o aproveitamento dos alunos” (COMPENDIO, 1771: XI). Ou seja, foi sugerido que, de forma intencional, os jesuítas implantaram um “[...] doloso sistema de ignorância artificial, e de impossibilidade de se aprenderem as mesmas ciências, que se fingiu quererem-se ensinar [...] laborando para obstruírem todas as luzes naturais dos felizes engenhos portugueses” (COMPENDIO, 1771: XIII). O novo método, baseado nos princípios da filosofia moderna, voltado para facilitar o ensino das matérias, é recomendado no Compendio Histórico para ser aplicado em todas as disciplinas, inclusive nas Ciências Teológicas, pois “só o dito método é o mais capaz, e adequado para restituir não apenas aos Teólogos, mas a todas as disciplinas, o espírito de exatidão, e de ordem” (COMPENDIO, 1771: 50). Em resumo, as críticas ao método jesuíta culminaram com sua abolição para dar lugar ao método da filosofia moderna. No discurso reformista pombalino a ideia de um novo método foi utilizada não apenas com um significado epistemológico e filosófico, mas também político, para justificar a necessidade de toda uma renovação cultural que só seria possível mediante a destruição do método escolástico e a expulsão de todos os seus defensores.
Antes de finalizar estas considerações sobre o significado da palavra método no contexto linguístico português, vale ressaltar que há duas inserções sobre o termo método na Enciclopédia. Nos dois casos, predomina o significado genérico do modo ou maneira de fazer algo; em verbete escrito por D´Alembert, no âmbito da matemática, é definido como “o caminho a ser tomado para a resolução de um problema”, em outro de Diderot, refere-se à forma ou a maneira como as diferentes espécies são organizadas (classe, gênero, espécie) (animais, vegetais, minerais) (DIDEROT; D´ALEMBERT, 2015 [v3]: 121, 233). Analisando outros verbetes correlatos, relacionados à filosofia, e física, o termo método aparece de forma difusa e pulverizada, muitas vezes aplicado com o mesmo significado de filosofia, física, sistema, álgebra (método de calcular as grandezas), análise (método de resolução dos problemas matemáticos). Método e filosofia são termos correlatos utilizados de forma indistinta. No verbete Experimental, escrito por D´Alembert, o que hoje costumamos chamar de método experimental é tratado como uma Filosofia experimental: “Chama-se experimental a Filosofia que toma a via dos experimentos para descobrir leis da natureza” (DIDEROT; D´ALEMBERT, 2015 [v2]: 278). Da mesma forma a filosofia experimental é o mesmo que física experimental, e vice-versa (DIDEROT; D´ALEMBERT, 2015 [v2]: 278). É muito comum a expressão “método de Descartes” ser utilizada com o mesmo sentido (DIDEROT; D´ALEMBERT, 2015 [v2]: 386) de “filosofia de Descartes” assim como “filosofia de Newton” e “método newtoniano”, ou sistema de Newton ou newtonianismo: “Outros entendem por filosofia newtoniana o método observado por Newton em sua filosofia, método que consiste em deduzir os raciocínios e conclusões diretamente dos fenômenos, sem qualquer hipótese antecedente [...]” (DIDEROT; D´ALEMBERT, 2015 [v2]: 74). A própria Lógica é definida como “um método que nos permite descobrir o verdadeiro e evitar o falso” (DIDEROT; D´ALEMBERT, 2015 [v2]: 391), similar ao significado dado por Verney, que a definiu como “um método e regra que nos ensina a julgar bem e discorrer acertadamente” (VERNEY, 1750 [v3]: 39). É possível perceber uma grande afinidade entre as ideias propostas no Verdadeiro Método de Estudar e a Enciclopédia de Diderot e D´Alembert, particularmente no alinhamento com o método newtoniano.
Entendo que o reformismo português seguiu o ideário Iluminista, sobretudo pela maneira como abraçou o paradigma da física newtoniana como fundamento de toda a sua proposta de reformas. A filosofia moderna, na concepção da maioria dos iluministas portugueses, confunde-se com toda a ciência, e deveria seguir o paradigma do método da física experimental, ou seja, observar os fenômenos e explicar suas causas. A filosofia natural (o mesmo que a física no século XVIII) foi um paradigma no contexto do Iluminismo e conforme ressaltou Hilton Japiassu, o século XVIII é tomado por um encantamento pela “Filosofia Experimental” newtoniana (JAPIASSU, 1991: 123). Acreditava-se que para se chegar a uma ciência sobre o estado bastaria transferir para a política o mesmo método da física (CASSIRER, 1992: 339). Verney, por exemplo, defendia que por meio do método da observação seria possível identificar as “ações honestas e também úteis à sociedade civil” (VERNEY, 1950 [v3]: 259). Podemos concluir que o termo método assume uma dimensão bastante ampla e difusa, mas quando utilizado no contexto de debates filosóficos expressa toda uma nova visão de mundo.